Royalties Petróleo e a Maldição das Não-Reformas¹

“Muito terá feito pela República o governo que não fizer outra coisa senão cuidar das suas finanças.”
Campos Salles

O dia 09/03/2020 é um daqueles que ficará para história mundial com o pânico nos mercados financeiros em função da queda abrupta no preço internacional do barril de petróleo, o aumento da cotação do dólar e propagação dos Coronavírus. No que se refere às finanças públicas a grande preocupação passou a ser os efeitos dessa tempestade quase perfeita nas receitas da União, Estados e Municípios. Tal preocupação ganha relevância no contexto atual em que quase todos os entes estão vivenciando crises fiscais. Obviamente a queda em um dia de 30% no preço do Barril de petróleo, se mantida por um período longo, levará a Petrobras a diminuir o preço dos combustíveis, afetando negativamente o lucro, bem como os impostos incidentes sobre o resultado da empresa e sobre o preço final ao consumidor.

Contudo, nenhuma receita será mais afetada do que os Royalties incidentes sobre o petróleo ou gás natural, isso porque as principais variáveis que afetam esta receita são: a) produção; b) preço do barril; e c) cotação do dólar. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) estima a perda de arrecadação em 18%. Mas qual o montante das receitas de royalties que é repassado para os Estados? Considerando também os recursos de royalties repassados a título de Participação Especial (PE), a União repassou para os Governo Estaduais em 2019 R$ 19,6 bilhões, sendo R$ 12,6 bilhões referente a PE. Mas como se distribuem esses recursos entre os Estados? Basicamente são três os Estados beneficiados, por serem os maiores produtores: Rio de Janeiro (68,5%), Espírito Santo (14%) e São Paulo (11,6%).

Quando se olha o contexto fiscal o Rio de Janeiro ganha destaque por estar há três anos em uma aguda crise financeira tendo sido inclusive o único Estado a aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), enquanto o Espírito Santo é o melhor Estado sob a ótica de solidez fiscal segundo avaliação da Secretaria do Tesouro Nacional. Ao analisar os relatórios orçamentários e fiscais, verifica-se que as finanças do Estado do Rio de Janeiro possuem forte dependência dos recursos de royalties, pois estes representaram em 2019 em torno de 20% das receitas correntes. Assim, se houver uma queda de receita da ordem de R$ 2,3 bilhões, conforme estimativa do estudo da FIRJAN, é bem possível que, mantida as demais receitas, haja problemas para o Estado cumprir algumas obrigações, como, por exemplo, o pagamento integral no exercício do décimo terceiro salário.

Mas por que a diminuição da arrecadação das receitas de royalties pode afetar o pagamento de despesas obrigatórias? Porque de longas datas o Estado não cumpriu uma regra básica de finanças: “Não se deve utilizar receitas finitas para financiar despesas continuadas”. No caso dos royalties há o agravante de que são receitas voláteis e no caso do Rio Janeiro a situação piora, pois mais de 80% dessa receita destina-se ao Rio Previdência para pagamento de inativos e pensionistas.

Como se ainda fosse pouco, essa destinação que em 2019 chegou a R$ 10,8 bilhões, mascara os limites de gasto com pessoal e o déficit da previdência. Assim, quando o Estado publica no Relatório de Gestão Fiscal de 2019 que gastou 47,8% da Receita Corrente Líquida (RCL) com pessoal, na essência está maquiando esse índice com a dedução das receitas de royalties que custearam despesas com inativos e pensionistas. O índice sem a maquiagem é de 66,25% da RCL, portanto acima do limite de 60% estabelecido pela LRF. É mais fácil maquiar do que enfrentar uma reforma administrativa.

Outra maquiagem está no demonstrativo das receitas e despesas da previdência publicado no Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) que apresenta ao final de 2019 déficit previdenciário de 2,4 bilhões, para o plano financeiro. Contudo, nesse valor, que compara as receitas e despesas previdenciárias, estão computados os R$ 10,8 bilhões de receitas de royalties sobre o petróleo recebidas da União e repassadas pelo Tesouro Estadual ao Rio Previdência. Portanto, sem considerar a receita de royalties, que não tem nenhuma característica previdenciária, o déficit seria da ordem de R$ 13,2 bilhões. Na essência o Estado tem uma previdência com déficit elevado, que por sua vez é coberto com recursos do Tesouro Estadual quando, considerando as melhores práticas, deveriam financiar investimentos de longo prazo que beneficiem gerações do presente e do futuro. No Rio os royalties pagam o passado!! Enquanto outros estados trabalham para reformar suas previdências deficitárias o Estado nada faz em relação ao tema.

A literatura de finanças alerta os países abençoados por Deus com riquezas naturais sobre a “maldição dos recursos naturais” (ou paradoxo da abundância). Trata-se do paradoxo em que os países e regiões, com uma abundância de recursos naturais, especificamente recursos não-renováveis, como o mineral e combustível, tendem a ter menos crescimento econômico e piores resultados de desenvolvimento se comparados a países com menos recursos naturais. No caso do Estado do Rio de Janeiro a abundância de receitas de royalties, encontrou um ambiente político propício e gerou a “maldição das não-reformas”, agravada pelo desejo político do Governador de tornar-se Presidente. Pobre sina desse povo fluminense tão sofrido.

Nessa fase de calamidade financeira o Rio de Janeiro precisava de um Estadista (pensa 30 anos à frente) e não de um governista (pensa na próxima eleição), pois parafraseando o Ex-Presidente Campos Sales: “Muito terá feito pelo Estado do Rio de Janeiro o governo que não fizer outra coisa senão cuidar das suas finanças.”

Paulo Henrique Feijó²
Professor, Escritor e Contador

 

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¹ O conteúdo deste trabalho é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião de instituições e grupos com as quais tem relação profissional.

² Graduado em Ciências Contábeis e Atuariais pela Universidade de Brasília – UNB e Pós-Graduado em Contabilidade e Finanças pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Co-Autor dos Livros: Gestão de Finanças Públicas: Fundamentos e Práticas de Planejamento, Orçamento e Administração Financeira com Responsabilidade Fiscal; Curso de Siafi: Teoria e Prática da Execução Financeira no Siafi – Volume 1 – Execução Orçamentária e Financeira; Volume 2: Suprimento de Fundos; Entendendo Resultados Fiscais; Entendendo a Contabilidade Orçamentária Aplicada ao Setor Público; Entendendo a Contabilidade Patrimonial Aplicada ao Setor Público; Entendendo as Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público. Autor do livro Entendendo as Mudanças na Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Representante do CFC na Associação Interamericana de Contabilidade (AIC).

31 de agosto de 2020

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