Edson Ronaldo Nascimento
Economista
1. Previdência Social e Previdência Complementar no Setor Público Brasileiro
A situação financeira da Previdência Social no Brasil, com dados de 2016, apresenta-se distribuída na forma a seguir:
a) Regime Geral de Previdência Social (RGPS): déficit de R$ 150 bilhões, atendendo 34 milhões de aposentadorias e pensões (déficit per capita de R$ 4.400,00).
b) Regime de Previdência Social dos Militares na União (RPSM): déficit de R$ 35 bilhões e um atendimento de 296 mil beneficiários (déficit per capita de R$ 118.000,00).
c) Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos Civis da União (RPPS): déficit de R$ 42 bilhões, com 800 mil beneficiários (déficit per capita de R$ 52.000,00).
d) Regime Próprio de Previdência Social de Estados e Municípios: déficit de R$ 90 bilhões (basicamente nos Estados), com atendimento de cerca de 3 milhões de beneficiários (déficit per capita de R$ 30.000,00).
e) Regime de Previdência Complementar do Setor Público (União, Estados, Municípios): patrimônio de R$ 1,5 bilhões, aproximadamente, com 75 mil participantes.
Observa-se que o déficit analisado de forma individualizada aponta a previdência dos militares como maior gargalo do sistema. Já o valor médio das aposentadorias no Setor Público Federal em 2016, importava nos valores a seguir:
Origem | Valor Médio da Aposentadoria |
Aposentadoria pelo INSS | R$ 1.300,00 |
Poder Executivo (união) | R$ 7.700,00 |
Poder Judiciário (união) | R$ 25.000,00 |
Poder Legislativo (união) | R$ 27.000,00 |
Observa-se que, além de ineficiente, considerando o déficit de R$ 317 bilhões em 2016 no setor público consolidado, a Previdência Social no Brasil, tem muito pouco de social, se considerarmos a grande diferença na distribuição de renda que ocorre por meio das aposentadorias no setor público e no regime geral.
Cumpre ressaltar que em abril de 2012 o Governo Federal deu um passo importante para amenizar o déficit previdenciário da União, instituindo o Regime de Previdência Complementar para os servidores públicos civis. O novo regime fixou limite máximo para as aposentadorias e pensões a serem concedidas de acordo com o teto estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, visando com isso frear o pagamento de aposentadorias milionárias, resguardando os direitos de quem já estava aposentado.
A Emenda Constitucional nº 20/98, que inseriu no artigo 40, os §§ 14, 15 e 16 e os §§ 3º ao 6º, do art. 202, todos da Constituição Federal, criou no Brasil a Previdência Complementar para os servidores públicos titulares de cargos efetivos, nas três esferas de governo. O referido art. 40, § 14, da Constituição de 1988, com a redação da EC n. 20/98, permitiu que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotassem o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social – RGPS para o pagamento das aposentadorias e pensões, com a condição de que instituíssem, nos respectivos âmbitos federativos, mediante lei de cada Ente Federado, o regime de previdência complementar para os seus servidores. No primeiro semestre de 2017 o valor máximo pago pelo RGPS correspondia a R$ 5.531,31.
Em outras palavras, a criação do regime de previdência complementar, por meio de lei (ordinária ou complementar) permitirá aos Estados e Municípios instituírem para os servidores que vierem a ingressar no serviço público, em todos os Poderes, um teto para o pagamento de aposentadorias, igual ao regime geral. Cumpre ressaltar que somente a edição da lei não permitirá o estabelecimento do “teto”, de forma automática. Será necessário oferecer ao servidor uma previdência complementar para que possa contribuir, de forma facultativa, até o montante que desejar usufruir na sua aposentadoria.
Como exemplo, um servidor que entrar no serviço público estadual (onde está instituída a previdência complementar, com plano de benefício) recebendo salário de$ 10.531,31, irá se aposentar com R$ 5.531,31. Se desejar receber na aposentadoria, além do teto do regime geral, a diferença de R$ 5.000,00, mantendo dessa forma o salário integral, deverá fazer contribuições para a previdência complementar.
A lei que criar a previdência complementar deverá prever o patrocínio do setor público que será limitado a percentual que varia entre 6,5% e 8,5% do montante que ultrapassar o valor do teto do regime geral. Dessa forma, no exemplo, se o servidor optar por descontar no salário R$ 425,00 (8,5% de R$ 5.000,00) para a previdência complementar, verá sua conta de aposentadoria creditada em R$ 850,00 mensalmente, devido ao patrocínio estadual.
Cálculos atuariais demonstram que, com uma rentabilidade igual a 5% + IPCA, que é a meta financeira das fundações de previdência complementar, em média, o servidor na aposentadoria receberá mensalmente valor superior a 95% do salário na ativa, se investir o percentual de 8,5%, mais a participação do patrocinador. Ressalte-se que sendo regime de contribuição definida (CD), essa renda não é vitalícia, encerrando quando o montante poupado para a aposentadoria se exaurir. Mas ao longo da atividade, e mesmo após a aposentadoria, o servidor poderá continuar contribuindo, visando atingir a chamada longevidade, garantindo assim uma renda permanente.
Sendo facultativa, a contribuição para a previdência complementar, no desejo do servidor, poderá ser substituída por outros tipos de aplicações públicas ou privadas. Como o desconto previdenciário ocorrerá somente até o teto do regime geral, o ganho líquido (o valor que seria descontado para a previdência complementar) poderá ser aplicado pelo servidor em outro tipo de investimento. Mas o grande atrativo da previdência complementar está no patrocínio, que somente ocorrerá com a adesão do servidor a uma fundação de previdência complementar fechada, de natureza pública, nos termos do § 15, do art. 40 da CF/88.
2. Previdência Complementar Estadual
Os governos estaduais estão criando suas fundações de previdência complementar, visando usufruírem de uma medida que entre outras vantagens, tende a reduzir o déficit previdenciário estadual no longo prazo. A obrigatoriedade da contribuição patronal integral (que varia entre 11% e 14%) será substituída por uma contribuição máxima de 8,5% sobre o valor que ultrapassara o teto, além da contribuição integral até o valor de R$ 5.531,31 (teto para 2017). Dessa forma, o melhor resultado financeiro para os Estados ocorrerá se os servidores decidirem aplicar seus recursos de forma facultativa em entidades abertas, onde o ente público não é patrocinador. De qualquer forma, a criação de entidades de previdência complementar, em maior ou menor grau, tende a resolver, no longo prazo, o problema do déficit previdenciário nos Estados Brasileiros.
Alguns Estados já instituíram suas fundações de previdência complementar, a exemplo do Governo Federal que, em 2012, por meio do Decreto nº 7.808, criou a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo – FUNPRESP-EXE. Em nível estadual: São Paulo (SP PREVCOM), Espírito Santo (PREVES), Minas Gerais (PREVCOM MG), Rio de Janeiro (RJPREV), Santa Catarina (SCPREV), Rio Grande do Sul (RSPREV), Bahia (PREVBAHIA) e, por último, o Estado de Goiás, onde criamos a PREVCOM-GO. O Distrito Federal, por meio de lei aprovada no mês de setembro de 2017, está iniciando a instituição de sua Fundação de Previdência. O mapa a seguir mostra a situação da previdência complementar em nível estadual.
A maioria dos Estados e Municípios brasileiros não possui escala para a manutenção de uma Fundação de Previdência em nível local. Isso porque as taxas de administração que serão cobradas, na maioria dos casos, não darão autossustentabilidade a Entidades de personalidade privada e que, portanto, devem ser independentes financeiramente dos patrocinadores. Por esse motivo, uma associação local de Estados e/ou Municípios junto à uma Entidade já constituída e aprovada poderá ser a solução mais adequada para o controle do déficit previdenciário, sem o aumento das despesas correntes na forma de aporte ou adiantamento de patrocínio.
O FUNPRESP também está alterando sua lei de criação, permitindo que Estados e Municípios possam participar da Fundação Federal que, em 2016 contava com cerca de 50 mil participantes.
3. Etapas para Instituição da Previdência Complementar
A aprovação de lei autorizativa é apenas o primeiro passo para funcionamento de uma Fundação de Previdência em nível estadual ou municipal. Já o teto do regime geral para a aposentadoria dos servidores, somente passará a valer no momento em que o Estado ou Município conseguir aprovar um plano de benefícios junto à Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC. Além disso, antes da aprovação do plano de benefícios, a PREVIC precisa aprovar o Estatuto da Entidade. Em Goiás, a Portaria 317, de 31 de março de 2017 autorizou a criação da Fundação de Previdência Complementar do Estado, aprovando também seu Estatuto. A Portaria 689, de 05 de julho de 2017, aprovou o Plano de Benefícios GOIÁS SEGURO, registrado no Cadastro Nacional de Planos de Benefícios – CNPB sob o número 2017.0009-65, extensivo aos municípios goianos.
A mesma Portaria PREVIC 689/2017 aprovou o Convênio de Adesão do Estado de Goiás, por intermédio da Secretaria Estadual de Fazenda, na condição de patrocinador do Plano de Benefícios para os servidores do Poder Executivo. Cada Poder, juntamente da Defensoria Pública e Tribunais de Contas, deverá assinar convênio de adesão com a PREVCOM-GO para que seus servidores possam participar da Fundação de Previdência do Estado de Goiás.
No entanto, a partir da aprovação do Plano de Benefícios GOIÁS SEGURO, que será o mesmo plano para todos os Poderes do Estado, as regras para o teto do regime geral estão valendo em Goiás. Os novos servidores que ingressarem no serviço público estadual, em todos os Poderes, terão descontos no contracheque para o regime próprio de previdência, em percentual sobre o valor de R$ 5.531,31. Em síntese, as etapas para a instituição do teto do regime geral são as seguintes:
Os planos de benefícios aprovados pela PREVIC estabelecem as regras que deverão ser observadas pelos Entes Públicos em relação à previdência de seus servidores. O Órgão Federal fará a fiscalização dos planos de benefícios aprovados, em especial no que se refere às aplicações financeiras que deverão observar a Resolução 3.792, do Banco Central do Brasil, de 24/09/2009, que dispõe sobre as diretrizes de aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar.
Em geral, os planos de benefícios aprovados possuem as mesmas características, incluindo o instituto do resgate, a portabilidade, o benefício diferido (interrupção momentânea por força de demissão etc), além da possibilidade do servidor que já estiver no regime próprio, migrar para o regime de previdência complementar. Também será oferecido pela Fundação de Previdência um plano complementar de seguro de vida e de invalidez, visto que a cobertura para esses casos também observará para os novos servidores o limite do regime geral.
As instituições deverão apresentar metas para a rentabilidade das aplicações que, em sua maioria (nos termos da Resolução BC 3.792/2009), deverão ser direcionadas para títulos de renda fixa mais conservadores (títulos do Tesouro Nacional). No entanto, a Resolução do BC autoriza a utilização de parte dos recursos aportados nas fundações, no financiamento imobiliário e em empréstimos aos servidores vinculados à Fundação de Previdência, além de investimentos em imóveis.
Considerando que os valores depositados nas fundações correspondem a aplicações de longo prazo no sistema financeiro, o rendimento dessas aplicações está bem acima da média de mercado em relação a outros investimentos financeiros. Em média, a rentabilidade anual dos fundos de previdência estadual supera o rendimento do CDI. As taxas de administração (carregamento) cobradas pelas Fundações (entre 4% e 6% , em média) visam somente garantir a manutenção dessas entidades que, por força de lei, não visam lucro.
Os patrocinadores (Poderes) que participam das Fundações de Previdência, possuem assento nos Conselhos Deliberativo e Fiscal, garantindo a fiscalização permanente da Entidade no que se refere a melhor utilização dos recursos dos servidores patrocinados.
Os planos e benefícios mais conhecidos são o PREVCOM RG de São Paulo, o RS FUTURO, do Rio Grande do Sul, o SCPREV de Santa Catarina, o PREVPLAN de Minas Gerais, o PREVES do Espírito Santo e o GOIÁS SEGURO do Estado de Goiás. São Paulo e Espírito Santo possuem planos de benefícios para servidores comissionados, temporários e agentes políticos. Goiás está com seu Plano de Benefícios dos Servidores e Empregados de Cargo em Comissão ou de Designação Temporária (PREVCOM-CDT) em análise junto à PREVIC.
Os regulamentos dos planos de benefícios dos Estados de São Paulo e Goiás incluem dispositivos que permitem que outros Entes da Federação (Estados e Municípios) possam aderir as fundações de previdência complementar desses Estados. Trata-se de vantagens que os governos municipais em nível local poderão usufruir, ou seja: instituição do teto do regime geral sem a necessidade de criação de entidade própria de previdência, arcando com custos que podem chegar a R$ 5 milhões/ano na sua manutenção.
4. Previdência Social x Previdência Pública de Mercado
O Projeto de Lei da Reforma da Previdência (PEC 287/2016) deverá tornar obrigatória aos Estados e Municípios a criação da Previdência Complementar para seus servidores. Isso porque em 2017 o déficit previdenciário estadual e municipal ultrapassou a casa dos R$ 90 bilhões. Por outro lado, o novo texto proposto para o artigo 40 afasta a obrigatoriedade de que os regimes de previdência complementar sejam geridos por entidades fechadas de previdência complementar de natureza pública. Na prática, tal alteração permite que o regime complementar seja gerido por entidades abertas de previdência privada, transformando a previdência social em uma “previdência pública de mercado”.
Dessa forma, podendo contratar agentes financeiros privados (que farão o papel das fundações de previdência complementar) os Entes Públicos encontram alternativa aos custos de manutenção de uma Entidade que não poderá ser autossustentável devido à falta de escala (número suficiente de adesões). Já o agente financeiro poderá contratar com vários Entes públicos, diluindo os custos.
Não há dúvida de que estamos diante de uma mudança de paradigma, visto que a responsabilidade do patrocinador junto aos servidores encerra com a transferência dos recursos ao Banco que o servidor indicar como depositário. A participação e o controle do patrocinador sobre os recursos transferidos (como no caso das fundações) deixarão de existir. Também a rentabilidade oferecida pelo sistema financeiro deverá ser menor, visto que o setor privado não poderá prescindir do lucro, razão de sua existência.
É fato que os mercados acabam encontrando as soluções de equilíbrio, no que se refere a melhor aplicação de recursos e a manutenção dos negócios. Também é fato que novas oportunidades ao setor privado estarão se abrindo, incluindo a criação de escritórios de advocacia especializados, além de novas formas de aplicações financeiras, de menor risco e, portanto, com rentabilidade maior ao investidor.
Considerando o instituto da portabilidade, o servidor poderá buscar segurança e rentabilidade naquelas instituições que oferecerem as melhores condições, inclusive de atendimento. Por esses motivos apontados, a tendência será, ao menos em um primeiro momento, uma convivência de instituições de previdência tradicionais já instituídas (FUNPRESP, SP-PREVCOM, PREVCOM-GO) com os agentes financeiros que irão desenvolver produtos visando atrair os servidores estaduais e municipais. Nesse caso, o setor público deverá investir no controle e segurança dos recursos públicos transferidos ao setor financeiro, por meio de agências reguladoras, por exemplo.
Resta ainda considerar que, para que as entidades abertas possam participar do “rateio” do mercado previdenciário do setor público estadual e municipal, outras mudanças na Constituição deverão ocorrer, não apenas aquela prevista para o artigo 40. Os preceitos consagrados na Constituição de 1988 que incluem o caráter público e universal do sistema previdenciário deverão ser revistos.
> Estaremos caminhando para a privatização da previdência social no Brasil, a exemplo do Chile?
Além disso, como uma Reforma ampla da Previdência se mostra cada vez mais improvável para 2017, e considerando que 2018 será ano de eleições (quando os políticos tentam evitar as questões polêmicas), o tempo poderá ser um fator favorável ao atual modelo de fundações públicas de direito privado em discussão e implementação nos Estados brasileiros. A entrada das entidades abertas nesse mercado previdenciário poderá demorar ainda vários meses.
5. Conclusões
Objetivo deste texto foi atualizar os gestores públicos e os cidadãos em relação a essa realidade que se chama previdência complementar no setor público estadual e municipal. A Previdência Social nos três níveis de governo no Brasil está em crise, apresentando um déficit consolidado próximo a R$ 320 bilhões em 2017, com tendência de aumento. Em nosso entendimento, o abandono de um sistema concentrado e paternalista, que entre outras distorções promove uma distribuição de renda às avessas, deverá dar lugar a uma “previdência pública de mercado”, juntamente de uma gestão previdenciária realizada por meio de fundações públicas mais eficientes, sob o controle social dos servidores e dos órgãos de fiscalização.