Os Tipos de Equilíbrio em Finanças Públicas: Orçamentário x Fiscal¹

Na nossa vida de forma geral há uma busca incessante por equilíbrio, seja emocional, financeiro ou até mesmo de um posicionamento sobre um tema. Quando se trata de finanças públicas qual equilíbrio deve ser buscado. O mais comum, aquele logo vem à mente é o equilíbrio orçamentário. Entretanto, deve existir somente a preocupação com o equilíbrio orçamentário? Existem outros tipos de equilíbrio? Sim, mas quais são? O que os diferencia?

Em finanças existem quatro tipos de equilíbrio que devem ser buscados e praticados: 1. Orçamentário; 2. Fiscal; 3. Intertemporal; e 4. Intergeracional.

Equilíbrio Orçamentário

O princípio do equilíbrio orçamentário estabelece, de forma extremamente simplificada, que as despesas não devem ultrapassar as receitas previstas para o exercício financeiro. Mas está estabelecido em que legislação? Na Constituição, na LRF ou na Lei n° 4.320/1964? Em nenhuma. A última vez que esteve explícito foi na Constituição de 1967:

“Art. 66 – o montante da despesa autorizada em cada exercício financeiro não poderá ser superior ao total das receitas estimadas para o mesmo período.”

Logo, este é atualmente um princípio doutrinário e não normativo. O equilíbrio, assim como alguns outros princípios, não é uma regra rígida e visa a deter o crescimento desordenado dos gastos governamentais. No entender de alguns doutrinadores o equilíbrio pode ser encarado a médio e longo prazos. O leigo, ao examinar o orçamento, percebe que estará sempre em equilíbrio, isto é, o total das receitas é exatamente igual ao total das despesas. No entanto, essa é uma maneira simplista de se analisar o orçamento. Deve-se observar as contas orçamentárias internamente, por meio das contas do Orçamento Corrente e de Capital. Nessas contas “escondem-se” os desequilíbrios orçamentários sob o ponto de vista econômico, bem como desequilíbrios sob a ótica fiscal.

A crise fiscal que assola o Governo Federal e Estados fez com que o Rio de Janeiro aderisse ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e, desde 2016, enviasse ao parlamento orçamento com desequilíbrio orçamentário na partida, isto é, receita prevista no Projeto de Lei Orçamentária é menor que a receita fixada. Isso levantou questionamentos quanto à legalidade, que já comentamos acima, mas que tal prática não estaria compatível com uma gestão fiscal responsável. Sem entrar nos detalhes que levaram o Estado do Rio a essa prática, pois daria um outro artigo, o fato é que muitos orçamentos espalhados pelo Brasil a fora são deficitários, mas apresentam um falso equilíbrio por meio de práticas corriqueiras de inflar receitas e/ou subestimar despesas obrigatórias.

Equilíbrio Fiscal

Enquanto o equilíbrio orçamentário visa garantir se há recursos para financiar as despesas. O equilíbrio fiscal busca saber se esse financiamento está aumentando ou diminuindo a dívida líquida do governo. Se aumenta é porque o governo está gerou déficit e se diminui gerou superávit.

É verdade que muitos confundem conceitos orçamentários com fiscais e talvez isso ocorra porque a apuração de resultados fiscais se utiliza em grande parte de informações orçamentárias. Contudo, resultado orçamentário e resultado fiscal diferem logo pelos conceitos de receitas, despesa e o propósito. Este último relaciona-se diretamente com os conceitos de Resultados Primário e Nominal que são tratados de forma detalhada no livro “Entendendo Resultados Fiscais”, que tive a honra de escrever em conjunto com o amigo e Professor Antônio Carlos Costa d’Ávila.

Assim, tomando-se como base o exemplo da União, o governo desde 2015 envia proposta de orçamento com déficit primário, mas com equilíbrio orçamentário. Mas o que significa isso e qual a sua importância no contexto das finanças públicas? Antes de adentrar em conceitos mais específicos é preciso entender aspectos relacionados com a política fiscal do governo, que de uma forma simplista pode ser entendida como a maneira como o governo administra suas receitas e despesas.

Parcela relevante da política fiscal diz respeito à forma como o governo atua, junto à sociedade, para obter os recursos necessários para a cobertura dos gastos públicos. O primeiro mecanismo de que os governos se valem para obter receitas é a tributação, que pode também ser complementada pela exploração de ativos públicos, como a cobrança por concessões e aluguéis. Além dessas fontes primárias de receitas, os governos contam usualmente com mecanismos que lhes permitem antecipar receitas. Isso ocorre sempre que o governo utiliza recursos de terceiros, assumindo a obrigação de devolvê-los no futuro.

Esses são basicamente os dois mecanismos adotados para cobertura das despesas públicas: as fontes primarias, em que o governo não contrai obrigação futura (ou dívida), e as fontes de financiamento, em que o governo obtém recursos mediante contratação de dívida. Conceitualmente, inclui-se no conjunto de fontes primárias qualquer receita que o governo obtenha e não amplie a sua dívida ou não diminua os seus ativos. Por isso, conceitualmente, receita primária é todo ingresso que diminui a dívida líquida do ente.

Observa-se neste caso que o governo não se diferencia muito de uma família ou das finanças pessoais. Um cidadão tem, em geral, duas formas honestas de realizar seus sonhos materiais, considerando que seus ganhos financeiros são limitados no tempo. A primeira é deixar de consumir no presente e poupar para consumir no futuro. A segunda é antecipar um eventual consumo futuro por meio de recursos de terceiros (empréstimos). Assim, imagine que uma pessoa deseje comprar um carro e não tenha dinheiro no momento. Uma das hipóteses para realizar esse sonho seria gastar menos do que ganhar ao longo de vários meses, poupar, e quando juntar dinheiro suficiente, realizar a compra. Outra opção, caso ela realmente necessite adquirir o automóvel de imediato, ou seja, uma pessoa muito ansiosa por realizar seus sonhos, seria solicitar um empréstimo a um banco, qualquer entidade ou pessoa disposta a lhe emprestar o dinheiro para comprar o carro. Mas a sua ansiedade ou necessidade de consumir implicaria um preço a mais a ser pago, que seriam os juros futuros. Efetivada a compra, se verifica que no mês da transação ela gastou mais do que ganhou, portanto, as suas contas do mês registraram um déficit.

Sob a ótica orçamentária receitas e despesas do cidadão estão equilibradas, pois o valor do empréstimo (receita) é igual ao valor do carro (despesa). Porém, a dívida do cidadão aumentou, o que demonstra que teve um déficit primário, pois conceitualmente o empréstimo é uma receita financeira e o carro é uma despesa primária.

Conclusão

De uma maneira simplista o equilíbrio orçamentário que saber se há dinheiro para financiar as despesas não interessando a origem dos recursos, ou seja, se é fruto do esforço do ente (impostos), de constituição de dívidas (empréstimos) ou de venda de ativos (alienação de bens). Já o equilíbrio fiscal busca sabe o ente vive com o que ganha, considerando para tanto somente as receitas do seu esforço.

Paulo Henrique Feijó²
Professor, Escritor e Contador

___________

¹ O conteúdo deste trabalho é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião de instituições e grupos com as quais tem relação profissional.

² Graduado em Ciências Contábeis e Atuariais pela Universidade de Brasília – UNB e Pós-Graduado em Contabilidade e Finanças pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Co-Autor dos Livros: Gestão de Finanças Públicas: Fundamentos e Práticas de Planejamento, Orçamento e Administração Financeira com Responsabilidade Fiscal; Curso de Siafi: Teoria e Prática da Execução Financeira no Siafi – Volume 1 – Execução Orçamentária e Financeira; Volume 2: Suprimento de Fundos; Entendendo Resultados Fiscais; Entendendo a Contabilidade Orçamentária Aplicada ao Setor Público; Entendendo a Contabilidade Patrimonial Aplicada ao Setor Público; Entendendo as Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público. Autor do livro Entendendo as Mudanças na Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Representante do CFC na Associação Interamericana de Contabilidade (AIC).

31 de agosto de 2020

© 2020 Editora Gestão Publica. Todos os Direitos Reservados.