I- Apresentação
O processo orçamentário nacional é integrado por uma trinca hierarquizada e interdependente: o plano plurianual (PPA), para 4 anos; a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) que, de forma descritiva, anuncia as inovações e os teores básicos do próximo orçamento-programa, e, por fim, a lei orçamentária anual (LOA), o mais operacional desses três instrumentos legais, sem o qual nenhuma ação de governo pode ser realizada (art. 167, I e II, da CF).
Mal elaborada, a lei orçamentária anual (LOA) tem gerado inúmeras dificuldades, entre as quais o elevado custo de ações feitas às pressas, vez que não planejadas; o déficit anual; o calote em fornecedores por conta de compromissos assumidos sem suporte de caixa; a paralisação de obras; os programas sobrepostos com os de outros níveis de governo (União e Estado); as muitas e estafantes alterações ao longo da execução orçamentária; o excesso de dotações para determinados órgãos; a alocação de verbas para ações de baixa efetividade.
Nesse sentido, este artigo apresentará vários conteúdos do orçamento 2021, num contexto de queda arrecadatória, de restrições da Lei Complementar 173/2020, das repercussões do Covid-19 na despesa do ano seguinte, do novo Fundeb, da retomada no pagamento de precatórios judiciais e contribuições ao regime próprio de previdência (RPPS), entre outros fatos advindos deste inesquecível ano de 2020.
II- Os conteúdos do projeto de lei orçamentária 2021:
1) Tendo em mira que, agora em 2020, a arrecadação municipal deve acompanhar a queda da economia nacional (PIB), caindo algo em torno de 6,5%¹ e, pela expectativa de, em 2021, ocorrer ligeira recuperação, sugere-se que a receita total orçada se aproxime da arrecadada em 2019, sem prejuízo, claro, de oscilações, para mais ou menos, em determinadas fontes de receita, sobretudo as tributárias próprias.
2) Assim fazendo, evita-se a tão danosa superestimativa de receita, que sanciona despesa sem disponibilidade financeira e, portanto, o engrandecimento da dívida que mais atormenta as finanças municipais, aquela integrada por despesas de anos anteriores, vencidas e não pagas. De lembrar que esse artificioso financiamento vem sendo combatido por alguns tribunais de contas.
3) O gasto laboral é o que, em regra, mais pesa no conjunto da despesa municipal. Nesse contexto, há de considerar que a Lei Complementar 173, de 2020, impede, até dezembro de 2021, aumentos e reajustes salariais, concursos para novos cargos, incorporação de vantagens (anuênios, quinquênios etc.), novas gratificações etc.; de igual modo, há de ponderar que a Portaria STN 337/2020 adiou, para 2022, o cômputo da folha de pagamento das ONGs no dispêndio laboral das prefeituras; e, também, de levar em conta que, em 2021, serão retomadas as contribuições patronais ao regime próprio de previdência (RPPS). Então, à vista dessas razões, a despesa de pessoal para 2021 poderia bem se aproximar daquela orçada para o corrente orçamento de 2020.
4) Se fixado próximo ao limite constitucional (art. 29-A, da CF), o orçamento da Câmara de Vereadores deve ser menor que o proposto para este ano de 2020; isso porque tal freio se baseia na arrecadação do ano anterior e, como se viu, a receita 2020 será inferior à de 2019. Também, de atentar que podem ter sido majorados os subsídios da vereança (2021-2024), havendo risco de extrapolação do limite da folha salarial da Edilidade (70% do repasse vindo da prefeitura).
5) O orçamento específico da Prefeitura, em hipótese alguma, deve abrigar gastos da Câmara (ex.: obras, parcelamento INSS), vez que estas se sujeitam àquele rigoroso freio constitucional (os 3,5% a 7%, do art. 29-A).
6) E, mesmo saneada a pandemia, haverá, em 2021, repercussões sociais da atual calamidade pública, sobretudo na área da assistência social. Sendo assim, necessário dotar ações relacionadas à Covid-19 (Atividade e Projeto), evitando, no ano de execução, os específicos pedidos de créditos especiais.
7) Nos termos da Lei Complementar 173, de 2020, nenhuma despesa obrigatória será reajustada acima da inflação, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo), vale dizer, contratos e outros gastos obrigatórios não poderão, em 2021, crescer mais do que 3% (IPCA estimado pelo Boletim Focus, do Banco Central).
8) O setor de planejamento poderia excluir os programas que, de fato, não vêm revelando interesse público, ou seja, os de baixa efetividade (ex.: ações recreativas para a terceira idade, com baixíssimo comparecimento de idosos).
9) De igual modo, tal setor deveria reduzir dotações de órgãos que, costumeiramente, gastam muito nos meses finais do ano, para evitar devoluções ao Tesouro.
10) Entre a formulação da lei de diretrizes orçamentárias – LDO (março/abril) e a construção do orçamento anual – LOA (agosto/setembro), em tal lapso devem sobrevir, neste ambiente de crise, riscos fiscais não previstos na primeira lei, a LDO. É o caso da frustração de receitas e do forte aumento de gasto em favor da população muito afetada pela pandemia. Assim, nada impede a majoração da antes prevista reserva de contingência (art. 5º, III, “b”, da LRF), sendo a diferença explicada no anexo de compatibilidade LOA-LDO (art. 5º, I, da LRF).
11) Não concretizados os tais riscos fiscais, a respectiva reserva de contingência pode ser remanejada para qualquer outra despesa orçamentária.
12) As atuais incertezas econômicas, fazendárias e nos rumos da atuação governamental devem se estender para 2021. Por isso, cauteloso solicitar razoável margem prévia para créditos suplementares. Para tanto, sugerimos o proposto em modelo Fiorilli de lei orçamentária anual:
Art. ….. Fica o Poder Executivo autorizado a:
I – Abrir créditos suplementares até o limite de 10% (dez por cento) da despesa fixada no artigo ….., utilizando, como fonte de cobertura, o superávit financeiro do exercício de 2020, os recursos provenientes do excesso de arrecadação e o produto de operações de crédito (art. 43, § 1º, I, II e IV, da Lei nº 4.320, de 1964).
II – Abrir créditos suplementares até o limite de 10% (dez por cento) da despesa fixada no artigo ….., utilizando, como fonte de cobertura, a anulação parcial ou total de dotações orçamentárias (inciso III do sobredito parágrafo).
13) Considerando o princípio orçamentário da exclusividade (art. 165, § 8º, da CF), a lei orçamentária anual (LOA) não pode autorizar transposições, remanejamentos e transferências entre órgãos e categorias programáticas (art. 167, VI, da CF), mas, somente, percentual limitado de créditos adicionais suplementares, assim como visto no item anterior.
14) Em homenagem ao princípio da transparência, salutar a inserção de ações específicas (atividades/projetos), que bem identifiquem despesas vulneráveis a desvios, bem como gastos legalmente restringidos, quais sejam:
• Publicidade oficial (divulgação de atos, leis, decretos e portarias na imprensa oficial);
• Propaganda de realizações governamentais;
• Adiantamento para despesas com viagem;
• Obras decorrentes de audiências públicas em torno do projeto de lei orçamentária.
• Custeio de atividade próprias do Estado ou da União (ex.: disponibilização de servidores municipais para o Cartório Eleitoral, Tiro de Guerra, Fóruns etc.).
• Obras iniciadas em orçamentos anteriores (o que facilita o controle do art. 45 da Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo o qual novos projetos só podem ser incluídos desde que dotados os ora em andamento).
15) Considerando as inevitáveis glosas das cortes de contas e um eventual excesso na arrecadação tributária, as dotações da Educação devem superar, por cautela e ainda que ligeiramente, os 25% da receita prevista de impostos.
16) Quanto ao Fundo da Educação Básica (Fundeb), a Câmara Federal já aprovou sua permanência definitiva e, ao que tudo indica, o Senado referendará o texto. Assim, o orçamentista deve continuar alocando dotações para tal fundo, vinculando, por cautela, 70% à remuneração de professores e outros profissionais do magistério (e, não, os atuais 60%), já que é esta a proposta chancelada pelos deputados federais.
17) Indispensável apresentar anexo que demonstre, de forma cristalina, a perda causada pelas renúncias fiscais que ainda persistem no Município, bem como os segmentos sociais contemplados com tais isenções, subsídios e outros benefícios de natureza tributária. Assim fazendo, dá-se cumprimento ao artigo 165, § 6º, da Constituição.
18) Se assim o fizeram, os tribunais de justiça deixarão de revalidar, em 2021, a concessão de não pagar, em 2020, os precatórios judiciais; então, sob tal cenário, há de se orçar tal passivo como segue:
• Regime especial de pagamentos: Sentenças Judiciais em valor nunca menor que o efetivamente pago no ano de 2017; isso, em proporção à recente corrente líquida (RCL);
• Regime normal de pagamentos: dotação suficiente para os precatórios apresentados até 1º de julho de 2020 e mais os requisitórios de baixa monta;
19) Mediante audiências virtuais, eletrônicas, o projeto orçamentário deve passar por consultas públicas, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 48, § único, I). De lembrar que, mesmo antes do isolamento pandêmico, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) já recomendava que, no site da Prefeitura, o cidadão se manifestasse quanto às suas preferências de aplicação do dinheiro público.
20) A propósito, uma eficiente consulta à população e aos setores que operam as atividades finalísticas da Administração, tal providência confere maior fidedignidade ao orçamento, evitando as muitas e extenuantes modificações ao longo da execução. Realmente, várias alterações desqualificam o orçamento como vital instrumento de política pública, lembrando que certos tribunais de contas vêm censurando a acentuada diferença entre o orçamento planejado e o efetivamente realizado.
21) De lembrar que, até 2023, 30% da receita de impostos, taxas, multas e contribuições (ex.: CIP ou COSIP) estão livres da vinculação original (Emenda Constitucional 93, de 2016), quer dizer, podem custear qualquer outra despesa municipal.
22) Ao fazer emendas impositivas ao orçamento, os vereadores, às vezes, cortam partes essenciais de ações de governo. Para evitar esse inconveniente, a Prefeitura poderia, no campo da despesa, propor uma espécie de reserva de contingência, amparando orçamentariamente as tais emendas legislativas (até 1,2% da receita corrente líquida).
23) Tendo em conta o art. 31, II, do Marco Regulatório das ONGs (Lei 13.019/2014) e o art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal, à vista desses comandos, as verbas para auxílios e subvenções para entidades do 3º setor devem estar precedidas por específicas leis autorizativas.
24) O projeto orçamentário deve agregar receitas e despesas da Administração direta (Prefeitura e Câmara) e, também detalhadamente, a movimentação prevista em autarquias, fundações e empresas estatais dependentes. Eis aqui o princípio do orçamento único, do qual se exonera apenas o custeio e, não, o investimento, das empresas estatais autônomas, ou seja, das que subsistem sem o Tesouro Central (art. 165, § 5º, I, da Constituição);
25) As dotações da Saúde devem representar 15% da receita de impostos e mais os Restos a Pagar não liquidados que poderão ser cancelados até 31.12.2020. Aqui, não é demais lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 11.03.2020, decidiu, em tema de repercussão geral, que o poder público está desobrigado de fornecer, por decisão judicial, medicamento de alto custo que não esteja na lista padronizada do Sistema Único de Saúde – SUS (Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional). Tal seu deu no Recurso Extraordinário 566.471/RN.
26) Há se elaborar anexo demonstrando medidas para compensar as novas renúncias de receita e os novos aumentos da despesa obrigatória de caráter continuado (art. 5º, II, da LRF). Tais providências assentam-se na elevação permanente da receita, no corte permanente de despesa ou em ambos os procedimentos.
27) O orçamento será detalhado até o elemento de despesa, assim como quer o art. 15 da Lei 4.320/1964, e exige o princípio orçamentário da transparência e da especificação do gasto público.
28) À vista de determinações constitucionais e legais, deve-se alocar, no respectivo fundo, recursos para ações de proteção à criança e ao adolescente. É o que determina o respectivo Estatuto:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, (….):
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: (…)
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
29) Há de se dotar reserva de contingência para compensar, orçamentariamente, eventual superávit do regime próprio de previdência – RPPS (art. 8º, da Portaria Interministerial 163, de 2001).
Flavio Corrêa de Toledo Junior
Consultor da Fiorilli Software. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)
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¹ Segundo o Jornal Folha de São Paulo, de 02.08.2020, “Ao todo, os estados tiveram uma receita com impostos, taxas e contribuições de R$ 251 bilhões entre janeiro e junho de 2020 contra R$ 267,6 bilhões no mesmo período de 2019, em valores atualizados pela inflação; uma queda de 6%”.