Distribuição dos Royalties x Equilíbrio Intergeracional x Equilíbrio Intertemporal

Recentemente o Brasil decidiu que as receitas dos Royalties sobre o Petróleo serão destinadas à educação e saúde. De maneira geral ninguém será contra destinar recursos para áreas tão prioritárias. Mas qual a preocupação que o país deveria ter com a gestão desses recursos? Primeiro com a qualidade do gasto, pois de nada adianta destinar mais recursos e a gestão dos mesmos se mostrar perdulária ou ineficiente. No entanto, quando da destinação desses recursos deveria também se preocupar com o Equilíbrio Intertemporal (ao longo do tempo) e o Equilíbrio Intergeracional (a riqueza do presente também pertence às gerações futuras).

Equilíbrio Intertemporal

Como garantir o desenvolvimento contínuo e a melhoria dos serviços prestados à sociedade nas áreas beneficiadas pelos recursos dos royalties (no caso do Brasil, saúde e educação) ? Isso nos remete a pensar também sobre o equilíbrio intertemporal  entre as receitas dessa exploração e os gastos que serão financiados. Sabe-se que não é uma boa prática de finanças se utilizar de recursos finitos para financiar despesas continuadas. Assim, é fundamental que as receita dos royalties não financiem despesas continuadas (pessoal e manutenção) devendo sob essa ótica serem utilizadas prioritariamente para investimentos. Nunca se pode esquecer que um dia as reservas se esgotarão, em consequência, as receitas não mais existirão mas, caso financiem despesas continuadas, estas permanecerão, promovendo um desequilíbrio fiscal.

Equilíbrio Intergeracional

O governo e a sociedade deveriam também pensar a aplicação das receitas originárias da exploração de recursos naturais esgotáveis sob a perspectiva do equilíbrio intergeracional. E o que isso significa? Nunca se pode esquecer que a riqueza do pré-sal, bem como de outros recursos não-renováveis (minérios e outras reservas de petróleo, por exemplo) não pertencem apenas à geração do presente, mas também às gerações futuras. Isso revela no mínimo uma preocupação ética com as gerações futuras. Sob essa perspectiva deve-se pensar como dar garantias às futuras gerações dos benefícios gerados pela exploração dos ativos naturais, mesmo quando o ativo natural estiver exaurido.

Essa perspectiva nos leva a pensar em sustentabilidade na utilização desses recursos. Segundo a Professora Maria Amélia Rodrigues a proposta de sustentabilidade sensata deve ser avaliada sob duas perspectivas:

a) da atual geração (intrageração), cujo pressuposto é que a atividade econômica de recursos não-renováveis (minérios e petróleo, por exemplo)  deve garantir o nível de bem-estar socioeconômico atual e minimizar os danos ambientais decorrentes do processo produtivo; e

b) da geração futura (intergeração) para a qual a atividade deve ser capaz de gerar um permanente fluxo de rendimentos e assim assegurar o nível vindouro de bem- estar (Auty & Warhurst,1993).

E qual seria uma maneira de mitigar esses riscos para as gerações futuras? Uma saída seria poupar uma parcela da renda de exploração dos recursos naturais anual líquida e acumular um determinado montante anual que seria destinada para um fundo, que com o tempo se tornaria suficientemente grande para garantir às futuras gerações, inclusive por meio da capitalização dos recursos (juros),  um fluxo de receita líquida equivalente às rendas de exploração dos recursos naturais, mesmo após a exaustão dos recursos não-renováveis.

No Brasil há experiência práticas e interessantes em que receitas da exploração de recursos naturais não-renováveis são recebidas por municípios, mas não são utilizadas para o desenvolvimento de seus setores produtivos, pois em sua maior parte financiam despesas de custeio da administração pública. Em quase a totalidade desses municípios se observam, baixos níveis de qualidade de vida da maioria de sua população sendo grande parte desses problemas resultado da má gestão dos abundantes recursos que a atividade de exploração dos recursos naturais proporciona (maldição dos recursos). A fartura de dinheiro está normalmente associada ao desperdício e à dificuldade de criação de economias autossuficientes, isto é, do uso das receitas em trabalhos produtivos e na formação de uma ampla classe consumidora que fortaleça a demanda local. Como exemplo pode-se ver a reportagem do programa Fantástico da Rede Globo (http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/04/cidades-com-maior-arrecadacao-por-habitante-tem-servicos-precarios.html), que mostra que Cidades com maior arrecadação por habitante têm serviços precarious e conclui que em boa parte dos municípios no topo da lista das cidades que mais têm dinheiro para gastar por ano com cada habitante, o IDH é incompatível com a quantidade de dinheiro nas mãos das prefeituras.

Uma saída seria a criação de fundos para administrar as rendas provenientes da exploração dos recursos naturais com, pelo menos, três objetivos:

1) evitar os efeitos nefastos da “maldição dos recursos”;

2) garantir benefícios às gerações atuais; e

3) promover o princípio de equidade intergeracional, gerando alternativas para a manutenção do nível de bem-estar socioeconômico após o esgotamento das reservas naturais.

Os fundos que atualmente são considerados modelos de uso sustentável das rendas de recurso não-renováveis – Alaska, Alberta e Noruega – estão explícita ou implicitamente relacionados a esses objetivos.

O modelo de melhor referência citado para o mundo é o Fundo da Noruega que foi criado em 1990, como fundo de petróleo estatal e em 2005 passou a ser denominado de Government Pension Fund (https://www.regjeringen.no/en/topics/the-economy/the-government-pension-fund/id1441/). Tem como objetivo administrar as receitas do petróleo proveniente da produção do Mar do Norte e assegurar pensões para a população idosa. A cada ano as receitas líquidas do petróleo são depositadas no fundo, depois que o déficit do orçamento (não petróleo) é coberto. O total do fundo é investido no exterior e as decisões financeiras são livres de ingerências políticas. Em 2006 registrou US$213 bilhões (tinha U$7,4 bilhões em 1996). É administrado pelo governo, por intermédio do Ministro das Finanças e o gerenciamento operacional é feito pelo Banco da Noruega. Os benefícios são distribuídos diretamente, sob a forma de pensões, para as pessoas idosas; e, indiretamente, sob a forma de benefícios sociais, principalmente, na área da saúde. O Ministério das Finanças estimou em 2010 que no final de 2014 o fundo teria algo em torno de US$700 bilhões.

Não obstante toda a preocupação com as futuras gerações, esses fundos também se constituem em instrumentos necessários para neutralizar os desequilíbrios estruturais e, assim, garantir o padrão de vida das gerações atuais. Os fundos servem também para enxugar liquidez do sistema (retirar o excesso de dinheiro que circularia se não houvesse essa opção), contribuindo para a manutenção dos preços internos. Isso contribui para assegurar o equilíbrio entre os preços relativos e, portanto, para não desestruturar os outros setores da economia.

Nas sociedades ricas o desenho dos fundos foi precedido por um amplo debate democrático com a participação maciça da população, no entanto, a parte operativa do fundo é altamente profissional. Nessas sociedades os dividendos dos fundos estão beneficiando a geração presente através de melhorias no bem-estar social (saúde, seguridades social e aumento de consumo) e os valores capitalizados estão, em tese, criando meios para beneficiar as gerações futuras.

No Brasil, observa-se que na perspectiva de dar uma respostas às ruas pouco se debateu no parlamento aspectos relacionados ao equilíbrio intergeracional e intertemporal.

Logo, é evidente o grande potencial dos fundos no que se refere à possibilidade de gerar um fluxo de rendimento que permita a manutenção do atual nível de bem-estar às futuras gerações, e em geral a criação desses fundos representa um diferencial qualitativo em relação a outras economias que não contam com instrumento dessa natureza.

Mais informações podem ser obtidas no excelente trabalho: “Equidade intergeracional na partilha dos benefícios dos recursos minerais: a alternativa dos Fundos de Mineração” –  Maria Amélia Rodrigues da Silva Enriquez.

http://www.redibec.org/IVO/rev5_05.pdf

Paulo Henrique Feijó:
Graduado em Ciências Contábeis e Atuariais pela Universidade de Brasília (UNB) e Pós-Graduado em Contabilidade e Finanças pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Co-Autor dos Livros: Gestão de Finanças Públicas: Fundamentos e Práticas de Planejamento, Orçamento e Administração Financeira com Responsabilidade Fiscal; Curso de Siafi: Volume 1 – Execução Orçamentária e Financeira; Curso de Siafi: Volume 2 – Suprimento de Fundos; Entendendo o Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP); Entendendo Resultados Fiscais: Teoria e Prática de Resultados Primário e Nominal; Entendendo a Contabilidade Orçamentária Aplicada ao Setor Público: Teoria e Prática de Controle da Aprovação e Execução do Orçamento com base no PCASP. Autor do livro Entendendo as Mudanças na Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Professor das disciplina de Administração Financeira e Orçamentária e Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Desenvolve atividades de administração e aperfeiçoamento das finanças públicas (gestão do caixa, programação e execução financeira, resultados fiscais e contabilidade do setor público), e participa de missões de assistência técnica e de avaliação das finanças no exterior a convite do Fundo Monetário Internacional (FMI).

30 de agosto de 2020

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