Créditos Extraordinários: Indicação de Fontes para Abertura

No texto “Créditos Extraordinários – Somente para Calamidade Pública?” foi tratado os requisitos necessários para abertura de créditos extraordinários, quais sejam: relevância, urgência e imprevisibilidade. Uma outra discussão que se apresenta na federação é quanto a necessidade ou não do crédito extraordinário indicar os recursos que darão lastro ao financiamento da despesa. Para isso é necessário separar os conceitos de recurso orçamentário e fonte/destinação de recurso.

Recurso orçamentário está previsto na Lei nº 4.320/1964 como elemento financiador do crédito orçamentário, em geral buscando garantir nas decisões de abertura de créditos adicionais o equilíbrio orçamentário. São exemplos o superávit financeiro, excesso de arrecadação, anulação de dotação, dentre outras. Normalmente o recurso orçamentário aparece no texto do ato que autoriza o crédito. Abaixo segue exemplo de padrão utilizado no Governo Federal:

PROJETO DE LEI

Art. 1o Fica aberto ao Orçamento Fiscal da União (Lei no 13.808, de 15 de janeiro de 2019), em favor dos Ministérios da Infraestrtutura e do Desenvolvimento Regional, e de Transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, crédito especial no valor de R$ 5.846.700.000,00 (cinco bilhões oitocentos e quarenta e seis milhões e setecentos mil reais reais), para atender à programação constante do Anexo I.

Art. 2o Os recursos necessários à abertura do crédito de que trata o art. 1o decorrem de:

I – superávit financeiro apurado no Balanço Patrimonial da União do exercício de 2018, no valor de R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais), sendo:

a) Recursos Ordinários, no valor de R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais); e

b) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Combustíveis, no valor de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais); e

II – excesso de arrecadação de recursos de concessões e permissões, no valor de R$ 5.771.700.000.00 (cinco bilhões setecentos e setenta e um milhões e setecentos mil reais).

Art. 3o Ficam anuladas as dotações orçamentárias indicadas no Anexo II, no valor de R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais), em cumprimento ao disposto na Emenda Constitucional no 95, de 15 de dezembro de 2016.

Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,

Enquanto, fonte/destinação de Recurso é a codificação da destinação do recurso que compõe o crédito aprovado. Esta classificação, que no governo federal já existe de longas datas vem sendo gradativamente incorporada nas rotinas de controle das disponibilidades de estados e municípios, principalmente a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da implantação da rotina de controle das Disponibilidades por Destinação de Recursos (DDR) no Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP). São exemplos de fonte/destinação do Siconfi: 000 – Recursos ordinários, 011 – Receitas de Impostos e de Transferências de Impostos – Educação, etc. A título de exemplo segue como aparece na União, na coluna “FTE” indica que o crédito será financiado com dinheiro da fonte/destinação 129 – Receita de Concessões e Outorgas:

Recurso Orçamentário

De acordo com o disposto nos artigos 166, §8º e 167, V da CF, bem como o artigo 43, da Lei nº 4.320/64, além da autorização legislativa, o elemento condicionante para a abertura de créditos adicionais suplementares e especiais é a indicação dos recursos disponíveis para acorrer às despesas, que foi aqui denominado de Recursos Orçamentários:

Art. 167. São vedados

(…)

V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes.”

Art. 43. A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para acorrer à despesa e será precedida de exposição justificativa.

§1º Consideram-se recursos, para o fim deste artigo, desde que não comprometidos:

I – o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior;

II – os provenientes de excesso de arrecadação

III – os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei;

IV – o produto de operações de crédito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao poder executivo realizá-las

§ 2º Entende-se por superávit financeiro a diferença positiva entre o ativo financeiro e o passivo financeiro, conjugando-se, ainda, os saldos dos créditos adicionais transferidos e as operações de crédito a eles vinculadas.

§ 3º Entende-se por excesso de arrecadação, para os fins deste artigo, o saldo positivo das diferenças acumuladas mês a mês entre a arrecadação prevista e a realizada, considerando-se, ainda, a tendência do exercício.

Art.166 (…)

§8º Os recursos que em decorrência veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa”.

Ao analisar os artigos acima logo se percebe que a exigência de indicação do recurso orçamentário não se estende aos créditos extraordinários, seja em decorrência da urgência das despesas a serem custeadas, seja porque os créditos dos tipos suplementar e especial dependem de prévia autorização legislativa, cuja demora prejudicaria o atendimento imediato da população que, por exemplo, sofre os efeitos da calamidade decorrente de algum fator imprevisível.

Vale ressaltar que não indicar o recurso orçamentário é uma faculdade que não proíbe a indicação, mesmo no caso dos créditos extraordinários. Segundo Lei nº 4.320/1964 uma vez aberto crédito extraordinário sem o lastro dos recursos orçamentários, na primeira oportunidade o valor terá que ser deduzido do excesso de arrecadação e/ou do superávit financeiro a ser utilizado no futuro. Trazendo para uma linguagem popular a lei possibilita o gestor, sob a ótica orçamentária, gastar fiado para abater no futuro de alguma receita a mais que ganhar ou de algum saldo de caixa que venha a ter no final do exercício. Contudo, é uma boa prática indicar o recurso orçamentário, dado que o requisito para abertura de crédito extraordinário não é a inexistência de fonte para financiar o crédito, mas sua urgência e imprevisibilidade.

Sobre esse aspecto, o Ministério da Economia editou a Nota Técnica SEI nº 12774/2020/ME, que ao tratar da “Contabilização de Recursos Destinados ao Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus (COVID-19)” (destaques no original), chama a atenção do assunto no item 9:

“Considerando que alguns entes têm recebido transferências de recursos para aplicação em despesas direcionadas ao combate da pandemia havendo, portanto, como indicar, ao menos em parte, os recursos disponíveis para a abertura do crédito adicional, surgiram questionamentos se tal situação descaracterizaria o crédito extraordinário. Considerando que o intuito da legislação ao dispensar a indicação dos recursos foi facilitar a abertura do crédito para atendimento de despesas dado seu caráter de imprevisibilidade e urgência, a mera possibilidade de indicação do recurso não inviabiliza a abertura do crédito extraordinário ou exige a utilização de outra modalidade (especial ou suplementar). Dito de outra forma, a legislação não veda a indicação dos recursos para a abertura do crédito extraordinário, quando tal indicação for possível.

Fonte/destinação

A fonte/destinação está caracterizada na legislação por meio da classificação orçamentária que obrigatoriamente integra a estrutura classificatória do crédito aprovado. As receitas são destinadas para as devidas fontes/destinações de recursos quando da arrecadação. Sobre o assunto, o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP), 8ºEd., Pág. 133, dispõe:

(…) a classificação orçamentária por fontes/destinações de recursos tem como objetivo de identificar as fontes de financiamento dos gastos públicos. As fontes/destinações de recursos reúnem certas Naturezas de Receita conforme regras previamente estabelecidas. Por meio do orçamento público, essas fontes/destinações são associadas a determinadas despesas de forma a evidenciar os meios para atingir os objetivos públicos.

Não existe ainda uma tabela de códigos de fonte/destinação padronizada para toda a federação, mas vários Tribunais de Contas criaram tabelas próprias para serem utilizadas de forma padronizadas pelos jurisdicionados. A partir de uma codificação estruturada identificam-se as destinações da receita e quando se elabora o orçamento indica-se qual fonte/destinação a despesa, de forma a evidenciar a fonte/destinação dos recursos que estão sendo utilizados, se estes são livres ou vinculados (recursos ordinários, vinculados à educação, destinados à saúde, FNDE, FNAS, etc.).

Sob essa ótica todos os tipos de créditos (suplementar, especial e extraordinário) deverão indicar a fonte/destinação que custeará a despesa, até mesmo por questões operacionais pois os documentos de registros da execução orçamentária devem conter a fonte/destinação para realizar os registros contábeis e principalmente os controles da Disponibilidades por Destinação de Recursos (DDR), cujas contas são detalhadas por fonte/destinação. Do contrário as rotinas de controle da apuração de superávit ou déficit financeiro, bem como os demonstrativos delas decorrentes ficarão prejudicados.

Tal interpretação resguarda a exigência do artigo 50 da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF), que estabelece:

Art. 50. Além de obedecer às demais normas de contabilidade pública, a escrituração das contas públicas observará as seguintes:

I – a disponibilidade de caixa constará de registro próprio, de modo que os recursos vinculados a órgão, fundo ou despesa obrigatória fiquem identificados e escriturados de forma individualizada.

No caso de um crédito extraordinário sem indicação do recurso orçamentária qual fonte/destinação deve ser utilizada? Considerando que esse crédito aberto sem recurso orçamentário terá que ser compensado com o excesso de arrecadação apurado ou superávit financeiro é interessante que o ente utilize as fontes mais usuais ou aquela que concentra a maior parte dos recursos, que em geral é a fonte de recursos ordinários, mas pode haver exceções. Por exemplo, há municípios em que as receitas de compensações financeiras por utilização de recursos naturais representam a maior fonte de recursos, como o caso de royalties petróleo, royalties Itaipu e royalties minerais.

Situações exemplificativas

a) Crédito Extraordinário COM indicação do Recurso Orçamentário

Assim, suponha que em determinado município haja despesas urgentes e imprevistas em função da calamidade pública causada pela Covid-19. Vamos pensar que a União aprove a transferência de recursos para o fundo de saúde destinado ao combate da pandemia do covid-19. Este repasse poderá ser a fonte/destinação do crédito extraordinário que poderá ter como recurso orçamentário o excesso de arrecadação ou a anulação de despesa, considerando que os repasses estão vinculados a uma finalidade específica que pode ser controlada por meio do detalhamento da fonte/destinação.

b) Crédito Extraordinário SEM Indicação do Recurso Orçamentário

Agora imagine que em determinado município haja despesas urgentes e imprevistas em função da calamidade pública causada pela Covid-19. Contudo o município não tem nenhum recurso orçamentário que possa oferecer para garantir o equilíbrio da despesa. Poderá abrir o crédito orçamentário sem indicar o recurso orçamentário, mas deverá indicar a fonte/destinação, que no caso poderia ser a fonte 000 – Recurso ordinário. Com isso garante-se o controle da execução orçamentária do crédito na plenitude dos seus classificadores, principalmente no que se refere ao controle das Disponibilidades por Destinação de Recursos (DDR) em todas as suas etapas.

Conclusão

Quando se trata de crédito extraordinário a legislação não obriga haja a indicação dos recursos orçamentários dão lastro ao crédito, contudo é uma boa prática indicar, sempre que possível. Entretanto, o gestor deve atentar para o fato de que o crédito extraordinário aberto deve se enquadrar como relevante, urgente e imprevisível, que no caso da Covid-19 não precisa ser, necessariamente, limitada a área de saúde, mas todas aquelas que surgirem em decorrência da pandemia em outros setores do ente.

Nesse sentido é fundamental que a exposição de motivos que acompanha o decreto de abertura demonstre justificadamente a motivação do crédito extraordinário detalhando o contexto da urgência e imprevisibilidade.

No que se refere à fonte/destinação esta, diferentemente da orçamentária, tem caráter obrigatório para garantir os controles orçamentários e contábeis da execução orçamentária e permitir, no futuro, o acompanhamento da dedução exigida pela Lei nº 4.320/1964 quando da apuração do excesso de arrecadação e do superávit financeiro, nos casos de créditos extraordinários abertos sem indicação do recurso orçamentário.

 

Paulo Henrique Feijó¹

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¹ Graduado em Ciências Contábeis e Atuariais pela Universidade de Brasília – UNB e Pós-Graduado em Contabilidade e Finanças pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Co-Autor dos Livros: Gestão de Finanças Públicas: Fundamentos e Práticas de Planejamento, Orçamento e Administração Financeira com Responsabilidade Fiscal; Curso de Siafi: Teoria e Prática da Execução Financeira no Siafi – Volume 1 – Execução Orçamentária e Financeira; Volume 2: Suprimento de Fundos; Entendendo Resultados Fiscais; Entendendo a Contabilidade Orçamentária Aplicada ao Setor Público; Entendendo a Contabilidade Patrimonial Aplicada ao Setor Público; Entendendo as Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público. Autor do livro Entendendo as Mudanças na Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Representante do CFC na Associação Interamericana de Contabilidade (AIC).

31 de agosto de 2020

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