Como Evitar a Prevalência da Forma sobre a Essência nos Gastos com Saúde

A Interpretação da Legislação por parte dos Tribunais de Contas e/ou a falta de mecanismos de flexibilização da execução orçamentária e financeira no Siafic, faz com que gastos típicos com ações e serviços públicos com saúde não sejam considerados para fins de cumprimento do mínimo constitucional.

Autor: Paulo Henrique Feijó

 

A Constituição Federal exige que os Estados e o Distrito Federal aplicarão 12% e os Municípios e DF 15% da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). Vale salientar que a parcela da arrecadação de impostos transferida pelos Estados, aos respectivos Municípios, não é considerada receita do governo que a transferir, para efeito do referido cálculo.

A Lei Complementar nº 141/2012 regulamenta as questões relacionadas com os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde. Também estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo.

A referida lei traz basicamente dois critérios importantes para que a despesa seja considerada para fins de mínimo com saúde: a) se enquadrar no conceito/lista de despesa com ações e serviços públicos de saúde; b) ser financiada com recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de saúde. Tais regras estão citadas logo no artigo 2º:

Art. 2º  Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes:

I – sejam destinadas às ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito;

II – estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente da Federação; e

III – sejam de responsabilidade específica do setor da saúde, não se aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as condições de saúde da população.

Parágrafo único.  Além de atender aos critérios estabelecidos no caput, as despesas com ações e serviços públicos de saúde realizadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios deverão ser financiadas com recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de saúde. (grifo nosso)

O artigo 14 da referida lei estabelece que o Fundo de saúde deverá ser uma Unidade Orçamentária (UO) e uma Unidade Gestora Executora (UGE) no âmbito do Sistema Integra do de Administração Financeira e Controle (Siafic) de cada ente.

Art. 14.  O Fundo de Saúde, instituído por lei e mantido em funcionamento pela administração direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, constituir-se-á em unidade orçamentária e gestora dos recursos destinados a ações e serviços públicos de saúde, ressalvados os recursos repassados diretamente às unidades vinculadas ao Ministério da Saúde.

Para entendermos melhor o que isso significa é importante compreender os conceitos de UO e UGE:

a) Unidade Orçamentária (UO) – repartição da administração a que o orçamento do Ente Federado consigna dotações específicas para a realização de seus programas de trabalho e sobre os quais essa repartição exerce o poder de disposição;

b) Unidade Gestora Executora (UGE) – a unidade orçamentária ou administrativa que realiza atos de gestão orçamentária, financeira ou patrimonial, cujo titular está sujeito à prestação de contas anual. Cabe ressaltar que uma unidade orçamentária não corresponde necessariamente a uma estrutura administrativa, como ocorre, por exemplo, com alguns fundos especiais e com as unidades orçamentárias “Transferências a Entes Federados”, “Encargos Financeiros”, “Operações Oficiais de Crédito”, “Refinanciamento da Dívida Pública” e “Reserva de Contingência”.

Vale ressaltar que uma UG pode executar despesas de várias unidades orçamentárias. Por isso o conceito de UG é o que mais se aproxima do conceito de entidade contábil, devendo, portanto, ser a estrutura orgânica do Siafic de cada ente. Enquanto a unidade orçamentária é um mero classificador orçamentário, como vários outros, que cumpre o papel de indicar qual a entidade responsável pelos créditos consignados no orçamento anual. Logo, um dos equívocos básicos dos Siafic’s e que também se reflete em alguns dos sistemas de capturas de informações dos Tribunais de Contas é buscar informações contábeis baseadas no conceito de UO.

Apesar de não completamente absorvidos nos sistemas dos entes subnacionais a diferenciação entre UO e UG já está sedimentada na União e em vários Estados que utilizam o padrão Siafi/Siafem, sendo na União desde o final da década de 1980 e nos estados no final da década de 1990. Então, considerando a estrutura de um ente fictício segundo os conceitos do Siafi Federal a figura a seguir representa a estrutura de uma Secretaria de Saúde que tem um hospital público, o Fundo de Saúde e a Diretoria Geral da Secretaria, sendo esta responsável por cuidar de despesas das entidades da administração direta vinculadas à Secretaria. Assim, nesse modelo há pelos menos uma unidade administrativa em cada órgão (Hospital, Fundo e Secretaria de Saúde – Direta) que pratica atos de gestão orçamentária, financeira e patrimonial, portanto, devem ser reconhecidas no Siafic como unidade gestora executora, pois executa despesa.

Nesse conceito a Secretaria de Saúde assume o conceito de Órgão Superior, que possui três órgãos supervisionados: Hospital Público, Secretaria de Saúde – Direta e o Fundo de Saúde.

 

Fonte: Autor

 

Entendido os conceitos pode-se simplificar dizendo que a legislação estabelece que os recursos destinados a financiar as ações e serviços públicos de saúde devem estar com os créditos alocados em unidade orçamentária específica e a execução orçamentária e financeira no Siafic deverá ocorrer em Unidade Gestora do Fundo de Saúde no Siafic.

Vale ressaltar que o artigo 33 da referida Lei que integra a seção “Da Escrituração e Consolidação das Contas da Saúde” estabelece que o “o gestor de saúde promoverá a consolidação das contas referentes às despesas com ações e serviços públicos de saúde executadas por órgãos e entidades da administração direta e indireta do respectivo ente da Federação”.

Ademais o Manual dos Demonstrativos Fiscais (MDF) publicado pela STN ressalta a necessidade de que os recursos transitem pelas contas bancárias do Fundo de Saúde.

Além disso, cabe ressaltar que, para que as despesas com ações e serviços públicos de saúde executadas por outros órgãos ou entidades da administração indireta, custeadas com recursos de impostos e transferências de impostos, sejam consideradas ASPS para fins de cálculo do percentual mínimo de aplicação, os recursos que as custeiam deverão transitar pelas contas bancárias dos Fundos de Saúde, com exceção das amortizações e encargos de dívida proveniente de operações de crédito aplicadas em ASPS. Adicionalmente, essas despesas deverão observar as classificações orçamentárias adequadas, como fonte ou destinação de recursos de impostos, Função Saúde e marcador orçamentário que identifica as despesas consideradas ASPS.

(MDF – 13ª Edição – Item 03.12.02.02)

Exemplo Prático da Prevalência da Forma sobre a Essência

Imagine um ente da federação que administre um hospital público, instituído como autarquia. Assim, no âmbito da estrutura da secretaria de saúde há as entidades da administração direta, como subsecretarias e departamentos, e entidades da administração indireta, no caso o hospital e o Fundo de Saúde.

Nessa situação, o hospital executa suas despesas com créditos alocados na UO do próprio hospital e o Fundo de Saúde tem orçamento próprio que é executado na UG do Fundo. A título de exemplo, o hospital paga despesas como: Material Farmacológico, Gêneros Alimentícios, Material Laboratorial, Material Hospitalar, Material de Expediente, Locação de Máquinas e Equipamentos hospitalares, Manutenção e Conservação do Hospital, Manutenção e Conservação de Máquinas e Equipamentos. Observa-se, como não poderia ser diferente, que são despesas tipificadas como Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), portanto, aptas a serem consideradas para fins de limite de gastos mínimos em saúde.

Contudo, como a despesa não é realizada pela Unidade Gestora do Fundo de Saúde não são computadas para fins de apuração do gasto mínimo com saúde, mesmo sendo enquadradas na lista de despesas reconhecidas como ASPS. Na prática ocorre a prevalência da forma (quem paga a despesa) sobre a essência (qual o tipo de despesa), ou seja, o inverso do postulado contábil da prevalência da essência sobre a forma.

Tal situação pode ser muito injusta com chefes do Poder Executivo que muitas vezes priorizam recursos volumosos para uma unidade descentralizada, como o caso do hospital e, mesmo tendo aplicado mais que o limite constitucional recebem restrição na prestação de contas em decorrência da forma como se gastou ser mais importante do que a essência do gasto.

A seguir o extrato de apontamento de ressalva por parte de Tribunal de Contas sobre a forma de aplicação dos recursos em saúde.

 

Entendendo Como Funciona a Execução Descentralizada

A figura da descentralização de créditos orçamentários para execução por outra unidade gestora é um instrumento que é utilizado no Governo Federal desde a década de 1990. Mas como funciona? Primeiramente é importante diferenciar Crédito, Dotação e Recurso Financeiro.

A técnica orçamentária distingue as palavras Crédito, Dotação e Recurso. De forma geral, os termos crédito e dotação são utilizados com o mesmo sentido, designando o valor da despesa consignada na Lei Orçamentária Anual. Utiliza-se também o termo “crédito orçamentário” para designar a autorização legislativa para a realização da despesa, enquanto o termo “dotação” é utilizado, de forma mais restrita, para indicar o valor específico destinado a determinado gasto.

O termo “recurso” se aplica ao aspecto financeiro, ou seja, a quantidade de dinheiro ou saldo bancário à disposição de um órgão, para pagamento das despesas autorizadas por intermédio do crédito orçamentário. Pode-se dizer que crédito e recursos são os dois lados de uma mesma moeda.

Execução Orçamentária x Execução Financeira

Execução Orçamentária é a utilização dos créditos consignados no Orçamento, em todas as suas fases: descentralização do crédito, empenho e liquidação, inclusive sua inscrição em restos a pagar.

Execução Financeira representa a utilização dos recursos financeiros descentralizados em função da programação financeira até a fase do pagamento e recolhimento de tributos, visando a atender a realização dos projetos e atividades consignados no Orçamento de cada unidade, inclusive o pagamento dos restos a pagar.

Sabe-se que o Orçamento Público é autorização do Poder Legislativo que estabelece a previsão das receitas e a fixação das despesas de um ente Público, por meio de suas unidades descentralizadas, obedecendo a um determinado período.

Quando da execução do orçamento, o fluxo financeiro necessário para o pagamento das despesas ocorre ao longo de todo o ano, como decorrência do recolhimento de tributos e de outros pagamentos ao governo. Dessa forma, a entrega desses recursos aos órgãos se dilui também ao longo do ano, e é com esse objetivo que se realiza o adequado planejamento do fluxo de entradas e saídas do caixa, a programação financeira tratada neste capítulo.

O fluxo orçamentário e o fluxo financeiro são fluxos independentes entre si, mas se encontram no momento do pagamento. Neste sentido pode-se empenhar a despesa antes de arrecadada a receita. Pode-se também arrecadar receita sem que esteja aprovado o crédito orçamentário que esta financiará. Também pode-se liberar os recursos para determinado órgão sem que este tenha ainda empenhada a despesa. No entanto, para ser paga, a despesa deve estar liquidada e o financeiro tem que ter sido arrecadado.

Execução Descentralizada

Há estreita relação entre a descentralização orçamentaria e a descentralização financeira. No caso do Governo Federal, enquanto a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) consigna os créditos orçamentários aos órgãos, a STN libera, aos mesmos, recursos financeiros sob a forma de “cota”.

Em um segundo estágio, os órgãos setoriais do sistema de planejamento e orçamento e do sistema de programação financeira estão envolvidos, respectivamente, na descentralização orçamentaria, que pode ser feita sob a forma de “destaque” ou “provisão”, e na transferência de recursos financeiros que, respeitada a ordem anterior, provocará o “repasse” ou “sub-repasse”. Ou seja, se ocorrer uma descentralização do orçamento sob a forma de destaque, então o OSPF efetuará a descentralização financeira sob a forma de repasse; e se ocorrer sob a forma de provisão, então o OSPF realizará um sub-repasse.

Fonte: Livro de Siafi, 3ª Edição.

 

Para melhor entendimento dessa série de movimentações financeiras entre os diversos órgãos e etapas envolvidas e sua relação com a descentralização do orçamento, observe o quadro acima, referente às formas de descentralização orçamentária e financeira.

A COTA é a primeira etapa da descentralização de recursos financeiros caracterizada pela transferência de recursos do órgão central de programação financeira para os órgãos setoriais do sistema. Isto é, ocorre quando a STN libera recursos financeiros vinculados ao orçamento para qualquer Ministério ou órgão.

O REPASSE é a descentralização de recursos financeiros vinculados ao orçamento, normalmente recebidos anteriormente sob a forma de cota da STN, sendo de competência dos órgãos setoriais de programação financeira, que os transfere para outro órgão ou Ministério. O repasse é então caracterizado pela transferência de recursos financeiros entre órgãos que possuam setoriais financeiras diferentes, destinados a atender o pagamento de despesas orçamentárias. É a movimentação externa de recursos financeiros. Pode ocorrer entre órgãos da administração direta, ou desta para uma entidade da indireta, ou entre estas entidades, bem como de uma entidade da administração indireta para um órgão da direta. O repasse normalmente acompanha o destaque.

O SUBREPASSE é a descentralização de recursos financeiros vinculados ao orçamento, realizado pelos órgãos setoriais de programação financeira, para unidade orçamentária ou administrativa a eles vinculadas, ou seja, que faça parte da estrutura do órgão onde se encontra o OSPF. O sub-repasse é a movimentação interna de recursos financeiros destinados ao pagamento das despesas orçamentárias e normalmente acompanha a provisão.

Fonte: Livro de Siafi, 3ª Edição.

 

Observações:

  • A Unidade Gestora do Siafi responsável pela Unidade Orçamentária (UO), que recebe créditos orçamentários em fontes do Tesouro, sob a forma de dotação (fixação), terá́ o registro da cota a programar entre o seu órgão setorial de programação financeira e o órgão central de programação financeira (STN);
  • A unidade gestora que recebe créditos orçamentários por descentralização de UG de outro órgão, caracterizada como destaque, receberá os recursos financeiros sob a forma de repasse;
  • A unidade gestora que recebe créditos orçamentários por descentralização de UG do mesmo órgão, caracterizada como provisão, receberá os recursos financeiros sob a forma de sub-repasse.

 

Termo de Execução Descentralizada (TED)

Atualmente a descentralização de crédito é realizada no Siafi por meio da emissão de uma Nota de Movimentação de Créditos (NC) e está regulada pelo decreto nº 10.426/2020 que instituiu a figura do Termo de Execução Descentralizada (TED) e dispõe sobre a descentralização de créditos entre órgãos e entidades da administração pública federal integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, por meio da celebração de termo de execução descentralizada.

Segundo o referido decreto o TED se caracteriza como o instrumento por meio do qual a descentralização de créditos entre órgãos e entidades integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União é ajustada, com vistas à execução de programas, de projetos e de atividades, nos termos estabelecidos no plano de trabalho e observada a classificação funcional programática.

Para ilustrar como ocorre na prática, imagine que o Orçamento da União tenha consignado para a UO do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit) créditos orçamentários para duplicação de uma rodovia em determinado Estado. Contudo, se vislumbrou a possibilidade de o Batalhão de Engenharia do Exército realizar essa obra. Considerando que o Batalhão é uma unidade gestora que integra o orçamento fiscal e da seguridade social, assim como o Dnit, estas entidades celebram um TED e o Dnit descentraliza o crédito para o batalhão, que será responsável por executar a despesa (empenhar, liquidar e pagar). Obviamente que para pagar a unidade do exército terá que receber um repasse (transferência financeira).

Outra situação de TED ocorre na área de saúde quando o Fundo Nacional de Saúde (FNS) descentraliza créditos orçamentários para alguns dos Hospitais das Clínicas das Universidades Federais espalhados por todo o país. Assim, neste exemplo, o Hospital pode receber créditos orçamentários do FNS para compra de medicamentos, portanto, o empenho será emitido na UG do Hospital, mas informado no empenho a UO do FNS.

 Na União o gasto com saúde é apurado nas UOs das entidades vinculadas ao órgão saúde? Ou somente do FNS? Ou de que forma? A apuração é realizada por meio da “marcação” de todas as ações classificadas como ações e serviços públicos em saúde (ASPS), do Ministério da Saúde como um todo. É importante ressaltar que nem todas as despesas do Ministério da Saúde são classificadas como ASPS.

Algumas despesas enquadradas como ASPS são executadas por descentralização de créditos, como o caso dos hospitais universitários, apesar de algumas dessas despesas dos hospitais serem pontos de discussão com o Tribunal de Contas da União sobre classificar ou não como ASPS. Atualmente o Tribunal aceita classificar as despesas com custeio, mas o investimento ficou de fora. Contudo, vale ressaltar que qualquer despesa descentralizada que esteja marcada como ASPS na origem do crédito orçamentário serão computadas para fins de limite de gastos mínimos em saúde.

Vale ressaltar que na União os recursos de todas as entidades integrantes do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social são depositados na Conta Única do Tesouro (CUT), inclusive os movimentados pelo Fundo Nacional de Saúde.

 Proposta de solução para que a essência prevaleça sobre a forma

Qual seria a solução para que o gestor tenha flexibilidade para criar estruturas administrativas responsáveis por executar a despesa e ao mesmo tempo não tenha problemas para cumprir o limite constitucional?

Obviamente caso seja perguntado ao auditor do Tribunal ou alguém que tenha uma visão legalista sem o entendimento do contexto prático, porque isso ocorre, a resposta simplista será: Porque a lei determina no parágrafo único do artigo 2º que a condição para computar no limite é que as despesas deverão ser financiadas com recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de saúde.

Contudo, talvez a grande questão a se debruçar é: o que significa no texto legal “recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de saúde”? Da experiência com administração orçamentária e financeira no setor público vislumbro as seguintes possibilidades de interpretação:

  1. Gestão Financeira no FS: somente serão consideradas as despesas movimentadas a partir da conta bancária do Fundo de Saúde.
  2. Gestão Orçamentária no FS: somente serão consideradas despesas empenhadas na Unidade Orçamentária do Fundo de Saúde.
  3. Gestão Orçamentária e Financeira no FS: serão consideradas as despesas empenhadas na Unidade Orçamentária e pagas na Unidade Gestora do Fundo de Saúde.

Seja qual for a escolha, a mais conservadora, ou seja, aquela que não gera nenhum tipo de dúvida é o empenho classificado na UO do Fundo de Saúde e o pagamento na UG do Fundo, sacando da conta bancária vinculada ao Fundo. E é possível? Em um Siafic moderno é possível desde que tenha os mecanismos de: a) descentralização de créditos entre UG; e b) limite de saque à conta bancária específica.

Na rotina contábil de limite de saque a UG do Fundo de Saúde libera recurso, concedendo um limite de saque à conta do Fundo, para que outra UG execute a despesa. O limite de saque se processa contabilmente pelo registro de uma conta de ativo na unidade que recebeu o recurso, contra um passivo registrado na UG do fundo, de forma que o valor consignado no ativo representa uma autorização para que outra unidade pague despesas contra a conta bancária do Fundo.

Acontece que, de forma geral, somente os Siafic’s que se utilizam do “padrão Siafi” têm essas duas ferramentas. Contudo, a sistemática de descentralização de crédito está muito mais disseminada na federação do que a rotina contábil do limite de saque.

Dessa forma, a opção mais factível para os entes que não trabalham com limite de saque seria computar todos os gastos na UO do Fundo de Saúde, seja por meio de execução de despesa na própria UG do Fundo ou realizada por outra UG. No caso de outra UG executar e o ente não utilizar a rotina de limite de saque, a unidade executora teria que transferir o passivo para a UG do Fundo, para que esta processasse o pagamento. Também seria possível autorizar, no Siafic, que as ordens de pagamento emitidas por UG’s, que tenham despesas apropriadas orçamentariamente na UO do Fundo de Saúde, saquem da conta bancária do Fundo.

O Modelo da União Adaptado para os Entes Subnacionais (Estados e Municípios)

A figura a seguir ilustra como seria a estrutura orgânica da Secretaria de Saúde de um ente subnacional. No módulo de elaboração do orçamento que deve estar integrado com o Siafic a Secretaria de Saúde seria um órgão composto de três unidades orçamentárias: Secretaria de Saúde – Direta, Hospital Público e o Fundo de Saúde.

Enquanto os créditos são alocados em unidades orçamentárias a execução ocorre nas unidades gestoras. Assim, o módulo de Execução Orçamentária no Siafic terá a Secretaria de Saúde como Órgão Superior, que supervisiona três órgãos subordinados:  Secretaria de Saúde – Direta, Hospital Público e o Fundo de Saúde. Assim, os créditos alocados nas UO’s são registrados em uma das UG’s vinculadas ao órgão executor. A UG que recebe os créditos da UO é denominada de setorial orçamentária do órgão. O registro contábil é feito por intermédio de Nota de Dotação (ND), gerada a partir das informações do módulo orçamentário, na UG Setorial Orçamentária, também chamada de UG da UO.

Uma vez registrado os créditos na UG Setorial Orçamentária esta descentralizará os mesmos para as demais unidades gestoras responsáveis pela execução da despesa. Essa descentralização é realizada por meio de NC transferindo o crédito disponível da setorial para UG, portanto, permitindo que se inicie a execução da despesa.

 

Fonte: Autor

 

 Também seria possível a descentralização entre órgãos da saúde, como por exemplo, a execução de despesa no hospital a partir de crédito descentralizado pelo Fundo de Saúde.

A figura a seguir ilustra a situação em que o orçamento aprovado na Lei Orçamentária Anual foi lançado (contabilizado) na UO do Fundo de Saúde por meio da ND 001, no valor de R$ 1.800. Desse valor o Fundo descentraliza R$ 1.000 por meio da emissão da NC 001 para o hospital executar a despesa no crédito inicialmente consignado no Fundo, portanto, transfere parte do crédito disponível para o hospital executar. Caberá ao Hospital empenhar e liquidar a despesa informando os classificadores orçamentários originais, ou seja, a UG do Hospital empenhará informando a UO do Fundo de Saúde. Vale ressaltar que, nessa representação de descentralização de crédito foi considerado que tanto o Hospital, como o Fundo de Saúde possuem cada um somente uma UG.

 

Fonte: Autor

 

Cabe observar que com a sistemática de descentralização pode-se ter a visão da execução da despesa por UG e por UO, pois o empenho será registrado na UG do Hospital, mas com créditos da UO do Fundo. Assim, supondo que o Fundo empenhe o sado restante da dotação de R$ 500 poderia se dizer que do crédito aprovado: a) foram empenhados R$ 1.000 na UG do Hospital e R$ 500 na UG do Fundo de Saúde. No total foram empenhados R$ 1.500 na UO do Fundo de Saúde.

 

Conclusão

Não é justo com os gestores públicos o modelo de considerar, para fins de computo no limite de saúde, somente as despesas executadas pelo Fundo de Saúde sem que possibilite que dentro da estrutura de cada ente possa coexistir a execução de despesas enquadradas como Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), mas executadas por outras unidades gestoras.

A separação do conceito de Unidade gestora (UG) e Unidade Orçamentária (UO) é fundamental para se flexibilizar a execução por várias UG’s das despesas alocadas na UO do Fundo de Saúde, quando necessário. Como nem toda despesa classificada na Função Saúde nem mesmo alocada no Fundo de Saúde necessariamente está enquadrada no conceito de ASPS também seria interessante a utilização dos Marcadores (CO) já proposto pelo Tesouro Nacional na padronização das fontes de recursos.

Assim, a utilização da Fonte 500 – Recursos não vinculados de Impostos para realizar despesa marcada (CO) como ASPS, em créditos alocados na UO do Fundo de Saúde seriam os critérios para computar o gasto para fins de limite com saúde, independentemente da UG Executora.

Nesse sentido também é fundamental que os sistemas de captura de informações dos Tribunais de Contas tenham a capacidade de separ as informações da execução orçamentária e financeira por UG e por UO.

 

Paulo Henrique Feijó[1]
Professor, Escritor e Contador

[1] Graduado em Ciências Contábeis e Atuariais pela Universidade de Brasília – UNB e Pós-Graduado em Contabilidade e Finanças pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Co-Autor dos Livros: Gestão de Finanças Públicas: Fundamentos e Práticas de Planejamento, Orçamento e Administração Financeira com Responsabilidade Fiscal; Curso de Siafi: Teoria e Prática da Execução Financeira no Siafi – Volume 1 – Execução Orçamentária e Financeira; Volume 2: Suprimento de Fundos; Entendendo Resultados Fiscais; Entendendo a Contabilidade Orçamentária Aplicada ao Setor Público; Entendendo a Contabilidade Patrimonial Aplicada ao Setor Público; Entendendo as Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público. Autor do livro Entendendo as Mudanças na Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Representante do CFC na Associação Interamericana de Contabilidade (AIC).

 

5 de junho de 2023

© 2020 Editora Gestão Publica. Todos os Direitos Reservados.